sexta-feira, 29 de abril de 2011

Sobre a Fidelidade


Saboreando um novo livro tive a oportunidade de rever alguns valores por ora "esquecidos", reconheço que nossa moral ou quaisquer uma de nossas virtudes não são inatas, mas para firmá-las devemos fidelizá-las pois nenhuma virtude é natural; logo é preciso tornar-se virtuoso. A inconstância é a regra. A natureza é a grande esquecidiça, e é nisso também que ela é material, a matéria é o próprio esquecimento: só há memória no espírito. E falando em espírito, o que seria do mesmo sem um passado? o espírito se assemelha aos nossos sentimentos, que precisam de uma experiência anterior para haver memória, ou seja, sua essência depende diretamente do que é pensado e todo pensamento correrá continuamente o risco de se perder, se não fizerem o esforço de guardá-lo. Não há pensamento sem memória, sem luta contra o esquecimento e o risco de esquecimento. Isso significa que não há pensamento sem fidelidade: para pensar, é preciso não apenas lembrar mas querer lembrar... a fidelidade é essa vontade, ou antes, é seu ato e sua virtude.


Se entendermos por fidelidade (no sentido restrito) o uso exclusivo do corpo do outro, por que só amaríamos uma pessoa? por que só desejaríamos uma pessoa? ser fiel à suas idéias não é (felizmente) ter só uma idéia; nem ser fiel em amizade supõe que tenhamos só um amigo. Fidelidade, nesses domínios, não é exclusividade. Por que deveria ser diferente no amor? em nome do que poderíamos pretender o desfrute exclusivo do outro? é possível que isso seja mais cômodo ou mais seguro, mais fácil de viver, talvez, no fim das contas, mais feliz e enquanto houver amor, até acredito que seja; mas nem a moral e nem o amor parecem-me estar presos a isso por princípio. Cabe a cada um escolher de acordo com sua força ou suas fraquezas. A cada um, ou antes, a cada casal: a verdade é valor mais elevado que a exclusividade, e o amor me parece menos traído pelo amo (pelo outro amor) do que pela mentira. O problema aqui é menos fidelidade que o ciúme, menos o amor do que o sofrimento.. Fidelidade não é compaixão. Serão duas virtudes? sem dúvidas, mas, justamente: são duas. Não fazer sofrer é uma coisa, não trair é outra; a fidelidade é o amor conservado ao que aconteceu, o amor ao amor, no caso, amor presente e voluntário. Fidelidade é amor fiel, e fiel antes de mais nada ao amor.

O homem só é espírito pela memória, só é humano pela fidelidade. O espírito fiel, é o próprio espírito.